Poucas situações combinam tanta carga emocional e burocrática quanto o divórcio. Além das decisões pessoais, há um conjunto de obrigações jurídicas que precisam ser resolvidas, e os imóveis costumam ser o ponto mais sensível de toda a partilha.
Quem fica com o imóvel? Como dividir um bem financiado? É possível vender antes de finalizar o divórcio? E quando o casal construiu a casa em terreno de terceiros, como regularizar? Essas perguntas são comuns e exigem uma leitura que une direito de família e direito imobiliário, campos que se cruzam com frequência.
Neste artigo, explicamos como funciona a partilha de imóveis no divórcio, quais são os cuidados essenciais para evitar nulidades e como garantir que cada bem seja regularizado conforme a lei.
Conteúdo deste artigo
ToggleA base legal da partilha de bens
A partilha de imóveis no divórcio depende diretamente do regime de bens adotado pelo casal no casamento. O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) estabelece regras distintas para cada regime:
- Comunhão parcial de bens: é o mais comum. Todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento pertencem a ambos, independentemente de quem pagou. Bens anteriores ao casamento e heranças permanecem individuais.
- Comunhão universal de bens: todos os bens, anteriores e posteriores ao casamento, integram o patrimônio comum, salvo exceções expressas em pacto antenupcial.
- Separação total de bens: cada cônjuge mantém a propriedade exclusiva do que adquiriu, não havendo partilha.
- Participação final nos aquestos: menos utilizado, combina características dos regimes de separação e comunhão, com partilha apenas dos bens adquiridos onerosamente.
O artigo 1.658 do Código Civil define que, na comunhão parcial, “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”. Isso significa que imóveis comprados durante a união são, por regra, bens comuns, mesmo que registrados no nome de apenas um dos cônjuges.
Por isso, o primeiro passo na regularização é identificar o regime e a origem de cada imóvel.
Imóveis adquiridos antes e durante o casamento
Um dos erros mais comuns é acreditar que o nome que consta na matrícula do imóvel define a propriedade. Na verdade, o regime de bens é o fator determinante.
Se o imóvel foi comprado antes do casamento, ele permanece de propriedade individual, a menos que tenha sido integrado voluntariamente ao patrimônio comum (por exemplo, por doação de parte ideal ao outro cônjuge).
Já se o bem foi adquirido durante o casamento, presume-se que pertence a ambos. Mesmo que o contrato esteja apenas em nome de um, o outro tem direito à metade, salvo prova contrária.
É aqui que o registro de imóveis se torna crucial. O artigo 1.245 do Código Civil determina que a propriedade só se transfere com o registro no cartório competente. Isso significa que, enquanto o bem estiver apenas prometido, não há propriedade efetiva, apenas direito aquisitivo, o que influencia diretamente na partilha.
Por isso, é fundamental verificar:
- Se o imóvel está registrado corretamente;
- Quem consta como proprietário;
- Se há financiamentos, hipotecas ou usufrutos ativos.
Essas informações orientam o cálculo da partilha e evitam litígios posteriores.
Imóveis financiados: quem fica com a dívida?
A partilha de um imóvel financiado exige atenção especial. O financiamento é uma obrigação solidária, e o bem serve de garantia ao credor. Por isso, a divisão não é apenas do ativo (o imóvel), mas também do passivo (a dívida).
De modo geral, o saldo devedor deve ser partilhado proporcionalmente à titularidade do contrato. No regime de comunhão parcial, metade do bem e metade da dívida pertencem a cada cônjuge.
No entanto, os bancos não são obrigados a aceitar substituição de titular. Assim, mesmo após o divórcio, o cônjuge que permanecer no contrato responde integralmente pelas parcelas, a menos que o banco autorize formalmente a transferência.
Uma alternativa prática é formalizar um acordo judicial com previsão de que o imóvel será quitado por um dos cônjuges, compensando o outro financeiramente. Mas para que isso tenha validade perante o credor, o contrato deve ser aditado junto à instituição financeira.
O erro mais grave é deixar o financiamento em nome de ambos sem definir quem pagará. Isso cria inadimplência cruzada e dificulta futuras alienações.
Imóveis herdados e doados durante o casamento
Uma das dúvidas mais recorrentes nos processos de divórcio é o destino dos bens recebidos por herança ou doação. De acordo com o artigo 1.659, inciso I, do Código Civil, esses bens não se comunicam, mesmo que o regime seja de comunhão parcial. Ou seja, permanecem de propriedade exclusiva de quem os recebeu, salvo disposição contrária expressa.
O mesmo vale para doações com cláusula de incomunicabilidade, quando o doador especifica que o bem não integrará o patrimônio comum. Essa ressalva é frequente em doações de pais a filhos casados, como forma de proteger o patrimônio familiar.
Por outro lado, se o bem herdado foi vendido e o valor usado na compra de outro imóvel durante o casamento, é necessário provar a origem dos recursos para evitar que o novo bem seja considerado comum. Essa comprovação é feita com registros bancários, recibos e contratos.
A ausência dessa rastreabilidade é uma das causas mais comuns de disputas judiciais em partilhas, especialmente quando há valorização expressiva do patrimônio ao longo da união.
Regularização documental e averbações no registro de imóveis
Depois de definida a partilha, é hora de refletir no registro imobiliário as novas titularidades. Essa etapa é obrigatória para garantir validade jurídica e evitar conflitos futuros.
A sentença ou escritura de divórcio precisa ser averbada na matrícula do imóvel, conforme o artigo 167, inciso II, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). Essa averbação formaliza a divisão e confere publicidade à nova situação jurídica.
Se um dos cônjuges ficou integralmente com o imóvel, deve ser lavrada escritura pública de transferência. Em casos de partilha proporcional, cada parte passa a deter fração ideal, que também deve constar no registro.
Além disso, é necessário atualizar o cadastro imobiliário municipal e as obrigações fiscais. O ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) pode incidir, dependendo da forma de transferência. Já em partilhas decorrentes de divórcio sem ganho patrimonial, a Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015 esclarece que não há tributação sobre ganho de capital, desde que o valor partilhado seja equivalente ao direito de cada cônjuge.
Ignorar essa etapa causa problemas recorrentes, como impossibilidade de vender o imóvel futuramente, divergência de titularidade e bloqueios cartorários.
Venda, usufruto e posse após o divórcio
Nem todo divórcio termina com a partilha imediata. Há casos em que o casal decide vender o imóvel e dividir o valor, ou manter o bem temporariamente em copropriedade.
A venda é a solução mais simples quando não há filhos menores e ambas as partes concordam. O produto da venda é dividido conforme o regime de bens, e o contrato precisa ser assinado por ambos até a averbação definitiva da partilha.
Já quando há filhos menores, o artigo 1.689 do Código Civil prevê que o juiz pode destinar o imóvel ao uso do guardião das crianças, garantindo moradia até que seja possível novo arranjo familiar. Nessa hipótese, o imóvel pode permanecer em copropriedade, mas com usufruto judicial temporário.
Outro cenário comum é o uso exclusivo por um dos ex-cônjuges, enquanto o outro recebe compensação financeira, fixada judicialmente ou por acordo. Essa compensação é calculada com base em laudo de avaliação e proporcionalidade de uso.
Em todos os casos, é fundamental que o arranjo seja formalizado por escritura pública ou decisão judicial e posteriormente averbado na matrícula do imóvel. Sem essa atualização, o bem pode gerar conflito sucessório no futuro, especialmente se uma das partes vier a falecer.
A importância da assessoria jurídica no divórcio com bens imóveis
O divórcio que envolve imóveis é um processo patrimonial complexo, e tentar resolvê-lo apenas com acordos informais pode resultar em nulidades, autuações fiscais e bloqueios cartorários.
A assessoria jurídica especializada atua em três frentes principais:
- Análise patrimonial e documental: conferência das matrículas, hipotecas, financiamentos e ônus.
- Planejamento da partilha: definição das estratégias legais e fiscais mais adequadas para divisão e registro.
- Regularização formal: averbação da sentença, atualização fiscal e, quando necessário, intermediação com instituições financeiras.
Além disso, o advogado orienta sobre o momento correto de cada ato. Por exemplo, nunca se deve vender ou transferir o imóvel antes da partilha formalizada, pois o ato pode ser considerado nulo por violar a meação legal.
Também cabe ao advogado revisar cláusulas de usufruto, uso exclusivo e compensação, garantindo que os direitos de ambos os cônjuges sejam preservados.
Considerações finais
Regularizar imóveis no divórcio é muito mais do que dividir patrimônio: é garantir que cada parte tenha segurança jurídica sobre o que lhe pertence, evitando disputas e impedimentos futuros.
Com o apoio de um profissional especializado em direito imobiliário familiar, é possível transformar um processo emocionalmente difícil em um procedimento técnico, transparente e conforme a lei.
A regularização evita prejuízos fiscais, facilita futuras negociações e assegura que as decisões tomadas em cartório ou juízo sejam refletidas no registro do imóvel, onde realmente importa.Precisa regularizar imóveis após o divórcio com segurança? O Teixeira Advogados atua na regularização imobiliária e familiar, auxiliando clientes em todas as etapas do divórcio com bens. Desde a análise das matrículas e contratos até a averbação e formalização da partilha, nossa equipe garante que cada imóvel seja tratado com a segurança e o respaldo jurídico que a lei exige.






